terça-feira, 20 de maio de 2014

Histórias de Uma Garota Sem Memória - Dia 2

Catarine Casagrandi - Todos os direitos reservados. É Proibido qualquer tipo de reprodução das imagens sem autorização. Imagem protegida pela Lei do Direito Autoral Nº 9.610 de 19/02/1998.

     Mais um dia, e as coisas começam a se encaixar. Tudo o que vira ontem foi tão estranho, que ela não sabia se ficava feliz ou assustada. Estava começando a descobrir uma parte do seu passado, como uma criança que descobre um tesouro. Os flash que vinham à sua mente eram tão rápidos! Mas ela queria mais. PRECISAVA de mais!
     Por fim, após algumas horas de andanças, conseguiu chegar àquela imensa praça - sim, AQUELA praça! Olhou, olhou mais um pouco e ficou estática por alguns segundos. Algo ali a fez lembrar de uma cena: Um dia de sol. Domingo. Ela junto a um homem - seu pai -, andando de mãos dadas e olhando a fileira de coqueiros que guiava o olhar diretamente para aquela catedral. Sua magnitude era tanta, que era impossível não ficar maravilhado com aquele vislumbre.
     Enquanto olhavam, o homem tirava uma câmera de sua bolsa e parava para fazer uma foto do local a fim de guardar como lembrança e a menina, com toda sua meiguice, fazia uma pose diante daquele cartão postal. Seu vestido era cor de creme e seus sapatos rosa claro, combinando com os brincos arredondados. Seus olhos (os de verdade, daquela garota crescida e desmemoriada) piscaram repentinamente e aquele filme em sua cabeça, como um apagão, desapareceu. Tudo estava tão perto... Não era possível que não conseguia controlar esses flashs de memória!
     Sentiu uma súbita vontade de chorar, mas não queria parecer fraca. Então, enxugou uma pontinha de lágrima que estava quase escapando do seu olho esquerdo, caminhou na direção da escadaria daquela igreja e, sentindo o sol forte acima da sua cabeça, procurou um lugar à sombra para se sentar. Sua vida neste momento era como um jogo de dominós, onde uma peça dependia de outra ou, então, parecia que todas aquelas pecinhas enfileiradas poderiam desabar a qualquer instante. No entanto, tudo o que desabou foram as lágrimas que ela não conseguiu manter do lado de dentro.
     Do fundo da sua alma desejava saber quem era. Não somente o seu nome - isso já sabia -, mas sim sua história, suas origens, sua família... Essas coisas que toda pessoa dentro de "padrões normais" sabe.
     Algo ali dentro dela a fez levantar e caminhar na direção da entrada da igreja. Ao colocar sua mão no batente da imensa porta, sentiu um choque percorrer por todo o seu corpo como nunca imaginou que fosse possível sentir. E então, outro vislumbre: Final de tarde. O pôr-do-sol iluminava o lado de fora da igreja - AQUELA igreja - e todos estavam em clima de festa, a alegria estampando todas as faces. Aquele casamento marcaria o início de um grande período de plena felicidade. No altar, o noivo estava de costas, visivelmente ansioso, porém impecável naquele terno preto. A decoração da igreja se deu pelos lírios brancos que estavam por toda a parte: no altar, nos bancos, na entrada... e nas mãos da noiva. Ela nunca havia visto uma noiva tão linda! Seus olhos, sua boca... Ela tinha traços tão angelicais, que era praticamente inevitável não admirá-la. Notou também que a noiva carregava consigo algo além do buquê de lírios. Um bebê.
     A marcha nupcial é iniciada e todos lançam seus olhares em direção à porta. Mas um olhar entre tantos foi o que chamou a atenção da garota: o noivo, com olhos marejados, olhava com o mais perfeito ar de ternura para a sua futura esposa que, à essa altura, entrava pelo tapete vermelho. Era o mesmo homem que havia vislumbrado a alguns minutos atrás!
     Foi aí que sua mente começou a trabalhar em sobrecarga. Se aquele homem era - supostamente - seu pai, aquela noiva poderia muito bem ser a sua mãe! Ao olhar para o lado, observou que havia uma área reservada num canto da catedral - sala da administração, concluiu por fim. Na parede, um calendário marcava Agosto de 1992. Então aquele bebê no ventre na noiva era ela? Claro! Por isso a sensação de estar maravilhada com aquele lugar! Mas algo não estava colaborando com a sua ânsia  de mergulhar na sua própria história. As imagens do casamento começaram a ficar turvas e foram desaparecendo aos poucos, até que já não houvesse mais nada.
     Uma outra parte desordenada de sua vida tornou-se nítida em sua mente, mas o que não conseguia entender era o porquê de só conseguir lembrar coisas fragmentadas. Talvez estivesse fantasiando, ou talvez precisasse de só mais um pouco de esforço para solidificar tudo aquilo. Ficara feliz por poder ver seus pais, mas quais seriam seus nomes? Já andara até aqui, passara por tantos caminhos e pessoas... Onde estaria e qual seria seu destino, seu final, ou qualquer coisa do tipo?
     Sua cabeça estava sobrecarregada num mix de angústia, ansiedade e desespero. Precisava conversar com alguém, queria pedir ajuda, mas com quem contaria? Não conseguia nem ao menos se lembrar de uma oração para o caso de querer ajuda divina ou algo assim. Ela não tinha amigos e as únicas pessoas com quem conversava eram aquelas que paravam na rua para pedir informações.
     Decidiu, por fim, libertar aquela estranha sensação de pensamentos martelando-lhe a mente e, junto com seu par de pernas, começou a caminhar sem rumo.