segunda-feira, 2 de junho de 2014

Histórias de Uma Garota Sem Memória - Dia 3


     Mais um dia havia se passado e, depois de tanta caminhada intercalada com pequenas pausas, lá estava ela novamente. Mas que lugar era aquele? Ela andava por uma rua estreita, ladeada por prédios enormes - prédios comerciais, concluiu - e não fazia ideia de onde estava de fato, mas parou por um minuto, respirou fundo e começou a observar. Fazia parte da sua natureza observar e, naquele momento, quis rir da ironia que era a sua vida: Estava perdida naquele rua, assim como também o estava dentro de si mesma. Via pessoas, ouvia sons e sentia cheiros, mas sentia também que nenhum deles lhe pertencia.
     Seguiu aquela rua até o final e chegou numa escadaria que abria caminho para uma galeria mais abaixo. Desceu os degraus e pôde ver uma fonte antiga onde, algum dia, provavelmente, abrigou água. Sentou-se na pequena mureta que contornava a fonte, apenas para sentir o vento contra o seu rosto. Mais uma vez, ficou estática. Por mais que houvesse um turbilhão de pensamentos perambulando sua cabeça, não sabia ao certo o quê pensar ou em quê concentrar a sua atenção. Era demais para ela e sentia que, a qualquer momento, desmoronaria em lágrimas. Mas precisava ser forte.
     Depois de longos minutos olhando para um ponto nulo no seu horizonte imaginário, sentiu que precisava de outro vislumbre como havia feito nos dias anteriores. Qualquer coisa, nem que fosse algo que, talvez, não gostasse de ver. Procurou se concentrar na cena do casamento e da estação de trem, fechou seus olhos e, ao encostar delicadamente seus dedos na mureta da fonte... Nada! Não conseguiu se lembrar nem vislumbrar absolutamente nada!
     Uma frustração intensa percorreu todo o seu ser naquele momento e, com ela, a sensação de incapacidade. Tudo parecia, de certa forma, tão sob controle, que ela achou que poderia lidar facilmente com aquilo dali para frente. Colocou a mão no bolso do jeans velho, encontrou alguns trocados e foi até uma padaria para tomar o café-da-manhã.
     Chegando lá, pediu um pãozinho na chapa e um copo de café-com-leite. Havia dias que não comia nada e tinha até se esquecido disso, mas somente quando seu café-da-manhã chegou na mesa exalando aquele cheirinho deliciosamente típico, foi que se deu conta de como seu estômago doía.
     Nunca havia comido nada com tanto apetite desde que podia se lembrar. Ao terminar sua refeição, foi em direção ao banheiro. Acima da pia havia um espelho velho e quebrado, mas suficientemente capaz de refletir o rosto dela, que ficou parada ali por alguns segundos, olhando e olhando, pensando e admirando. Essa foi, talvez, a primeira vez em sua vida que se achou realmente bonita. Embora seu cabelo estivesse sujo e levemente bagunçado, seus olhos castanhos e seus lábios rosados se encarregavam de compensar os pontos negativos.
      De repente, sentiu uma forte pontada na cabeça e, junto com ela, lembranças: Uma garotinha correndo pela rua na companhia de alguns garotos pouco maiores do que ela. Era um jogo de futebol onde não havia rivalidade alguma. Todos ali compartilhavam da mesma inocência e paz de espírito. Algo naquela cena fez com que ela sentisse saudades, mesmo sem saber exatamente do quê ou de quem. Aqueles garotos eram tão diferentes uns dos outros... Um alto e bem pálido, outro baixinho e fofinho; O terceiro tinha um riso tão encantador, que ela teve a sensação que já o havia presenciado. Logo atrás dos garotos, pôde notar com clareza o rosto da garotinha: Cabelos e olhos escuros como a noite, bochechas rosadas moldurando um sorriso quente.
     Quando a imagem desapareceu, notou que ainda olhava para seu próprio reflexo e, mais uma vez, compreendeu: A garotinha que havia visto era ela mesma! Talvez alguns anos mais jovem do que quando vislumbrou a cena de pai e filha na Praça da Sé. Como não notou isso antes? Ainda tinha a mesma franja, os mesmos olhos e as mesmas bochechas. E os garotos também tinham os mesmos olhos que os seus (talvez, o único ponto em comum entre eles). Subitamente, três nomes vieram à memória: Vinícius, Matheus e Eduardo - seus primos!
     Agora já sabe porquê sentia tanta saudade. Brincaram juntos durante toda a infância na casa da avó. Lembrou-se também do rosto da sua avó, sempre com seu avental. Era a primeira vez que conseguia se lembrar de nomes! Não pôde conter a alegria e abriu o maior sorriso que conseguiu. Naquele momento, um moço - funcionário da padaria - notou que a garota ainda estava parada diante do espelho.
"Você está bem?" - Perguntou
Arrancada de forma brusca  de seu transe, deu um pulo, assustada. Já sabia o que tinha de fazer.
"Nunca estive melhor!" - Respondeu ela, virando-se. Abraçou aquele estranho e saiu correndo em direção à rua. Virou-se novamente para o estranho: "Obrigada!" Dito isto, deixou o moço com cara de ponto de interrogação para trás e seguiu seu caminho.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Histórias de Uma Garota Sem Memória - Dia 2

Catarine Casagrandi - Todos os direitos reservados. É Proibido qualquer tipo de reprodução das imagens sem autorização. Imagem protegida pela Lei do Direito Autoral Nº 9.610 de 19/02/1998.

     Mais um dia, e as coisas começam a se encaixar. Tudo o que vira ontem foi tão estranho, que ela não sabia se ficava feliz ou assustada. Estava começando a descobrir uma parte do seu passado, como uma criança que descobre um tesouro. Os flash que vinham à sua mente eram tão rápidos! Mas ela queria mais. PRECISAVA de mais!
     Por fim, após algumas horas de andanças, conseguiu chegar àquela imensa praça - sim, AQUELA praça! Olhou, olhou mais um pouco e ficou estática por alguns segundos. Algo ali a fez lembrar de uma cena: Um dia de sol. Domingo. Ela junto a um homem - seu pai -, andando de mãos dadas e olhando a fileira de coqueiros que guiava o olhar diretamente para aquela catedral. Sua magnitude era tanta, que era impossível não ficar maravilhado com aquele vislumbre.
     Enquanto olhavam, o homem tirava uma câmera de sua bolsa e parava para fazer uma foto do local a fim de guardar como lembrança e a menina, com toda sua meiguice, fazia uma pose diante daquele cartão postal. Seu vestido era cor de creme e seus sapatos rosa claro, combinando com os brincos arredondados. Seus olhos (os de verdade, daquela garota crescida e desmemoriada) piscaram repentinamente e aquele filme em sua cabeça, como um apagão, desapareceu. Tudo estava tão perto... Não era possível que não conseguia controlar esses flashs de memória!
     Sentiu uma súbita vontade de chorar, mas não queria parecer fraca. Então, enxugou uma pontinha de lágrima que estava quase escapando do seu olho esquerdo, caminhou na direção da escadaria daquela igreja e, sentindo o sol forte acima da sua cabeça, procurou um lugar à sombra para se sentar. Sua vida neste momento era como um jogo de dominós, onde uma peça dependia de outra ou, então, parecia que todas aquelas pecinhas enfileiradas poderiam desabar a qualquer instante. No entanto, tudo o que desabou foram as lágrimas que ela não conseguiu manter do lado de dentro.
     Do fundo da sua alma desejava saber quem era. Não somente o seu nome - isso já sabia -, mas sim sua história, suas origens, sua família... Essas coisas que toda pessoa dentro de "padrões normais" sabe.
     Algo ali dentro dela a fez levantar e caminhar na direção da entrada da igreja. Ao colocar sua mão no batente da imensa porta, sentiu um choque percorrer por todo o seu corpo como nunca imaginou que fosse possível sentir. E então, outro vislumbre: Final de tarde. O pôr-do-sol iluminava o lado de fora da igreja - AQUELA igreja - e todos estavam em clima de festa, a alegria estampando todas as faces. Aquele casamento marcaria o início de um grande período de plena felicidade. No altar, o noivo estava de costas, visivelmente ansioso, porém impecável naquele terno preto. A decoração da igreja se deu pelos lírios brancos que estavam por toda a parte: no altar, nos bancos, na entrada... e nas mãos da noiva. Ela nunca havia visto uma noiva tão linda! Seus olhos, sua boca... Ela tinha traços tão angelicais, que era praticamente inevitável não admirá-la. Notou também que a noiva carregava consigo algo além do buquê de lírios. Um bebê.
     A marcha nupcial é iniciada e todos lançam seus olhares em direção à porta. Mas um olhar entre tantos foi o que chamou a atenção da garota: o noivo, com olhos marejados, olhava com o mais perfeito ar de ternura para a sua futura esposa que, à essa altura, entrava pelo tapete vermelho. Era o mesmo homem que havia vislumbrado a alguns minutos atrás!
     Foi aí que sua mente começou a trabalhar em sobrecarga. Se aquele homem era - supostamente - seu pai, aquela noiva poderia muito bem ser a sua mãe! Ao olhar para o lado, observou que havia uma área reservada num canto da catedral - sala da administração, concluiu por fim. Na parede, um calendário marcava Agosto de 1992. Então aquele bebê no ventre na noiva era ela? Claro! Por isso a sensação de estar maravilhada com aquele lugar! Mas algo não estava colaborando com a sua ânsia  de mergulhar na sua própria história. As imagens do casamento começaram a ficar turvas e foram desaparecendo aos poucos, até que já não houvesse mais nada.
     Uma outra parte desordenada de sua vida tornou-se nítida em sua mente, mas o que não conseguia entender era o porquê de só conseguir lembrar coisas fragmentadas. Talvez estivesse fantasiando, ou talvez precisasse de só mais um pouco de esforço para solidificar tudo aquilo. Ficara feliz por poder ver seus pais, mas quais seriam seus nomes? Já andara até aqui, passara por tantos caminhos e pessoas... Onde estaria e qual seria seu destino, seu final, ou qualquer coisa do tipo?
     Sua cabeça estava sobrecarregada num mix de angústia, ansiedade e desespero. Precisava conversar com alguém, queria pedir ajuda, mas com quem contaria? Não conseguia nem ao menos se lembrar de uma oração para o caso de querer ajuda divina ou algo assim. Ela não tinha amigos e as únicas pessoas com quem conversava eram aquelas que paravam na rua para pedir informações.
     Decidiu, por fim, libertar aquela estranha sensação de pensamentos martelando-lhe a mente e, junto com seu par de pernas, começou a caminhar sem rumo.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Histórias de Uma Garota Sem Memória - Dia 1

                                                            Foto: Catarine Casagrandi

   Depois de tanto tempo, as sombras do vale finalmente desapareceram. É estranho pensar que tudo o que um dia foi tão certo e real se foi para sempre. Os dias se foram como o vento e ela não sabia ao certo como conseguiu chegar ali, mas o fato é que ela estava ali.
   Aquela estação, aqueles trilhos e todo aquele vai-e-vem de pessoas lhe eram tão familiares... Mas por quê é que não conseguia se lembrar?
   Sem entender nada, sua mente começou a vagar pela cidade, atravessando pontes e multidões na tentativa de buscar suas lembranças que, algum dia, pertenceram àquele lugar. Mas todo esse pertencimento era, de certa forma, alheio a ela. Afinal, nem ao menos conseguia se lembrar de seu passado.
   Será que, alguma vez, já foi o tipo de pessoa que, hoje, não gosta? Era amável ou detestável? Não importa. Tudo  o que importava para ela era o agora e o que ela faria com ele. Andou um pouco mais e avistou uma praça ampla: Árvores ladeavam a área e davam sombra aos banquinhos. No coreto central, um velhinho magro e simpático tocava gaita ao lado de seu amigo canino, fazendo com que uma melodia antiga e alegre tomasse conta de todo o local e todos os sentidos dela. Tudo aquilo era familiar demais para não ser dela.
   Cansada de enxergar coisas onde aparentemente não havia nada, voltou para aquela estação do começo de suas andanças. O ar nostálgico-contemporâneo de lá era tão incrível, que ela passou a observar mais ainda: O menininho de camiseta verde segurando um sorvete semiderretido, deixando um rastro de pingos de baunilha por onde ia; Ao lado do menino, uma senhora de cabelos brancos caminhava calmamente, acompanhada de sua bengala. Será que, algum dia, conheceu sua avó? Ao pensar nisso, sentiu, além de um aperto no peito, uma leve vontade de passar tardes vendo TV e comendo quitutes ao lado daquela senhorinha  e do menino, que ela acreditou ser seu neto.
   Então, de repente, começou a entender: Cada lugar da cidade remetia-lhe a uma época esquecida de sua vida. Cada lembrança estava, de certa forma, ligada a algum ponto daquela que era a sua cidade natal.
   Subitamente, lhe veio um semblante à mente: sua avó. Cabelos ondulados e brancos, curtinhos, curtinhos... Óculos arredondados e um sorriso doce. Nenhum nome, nenhuma referência, apenas um rosto. Embora não soubesse explicar como aquilo era possível, começou a achar tudo fantástico!


domingo, 5 de janeiro de 2014

Bittersweet


Os pensamentos se chocam uns contra os outros e ela se desespera à procura
de uma caneta e um pedaço de papel. Porque, você sabe...
Escrever pelo celular ou pelo bloco de notas do computador não é a mesma coisa. Ela queria se libertar e deixar que suas ideias estampassem aquele minúsculo papel.

De qualquer forma, ela sentia-se estranha. Não sabia ao certo  se estava feliz
ou triste: Era uma mistura de euforia  e angústia, coisa que nunca havia
sentido antes. Tudo o que queria era não estar ali.

Todas as pessoas ao seu redor a olhava de forma estranha. Talvez porque não
a conhecessem. Talvez porque não soubessem o que se passava em sua mente. Ou, simplesmente, ela estava enganada.
Todos agiam normalmente e tudo isso era fruto de sua imaginação.

domingo, 29 de setembro de 2013

O Sonho



Acordei, ainda estava cedo.
Coloquei os pés para fora da cama, mas
não havia chão... Apenas queda livre.
Não sei que lugar era aquele, só sei
que nunca havia visto algo tão lindo antes.

Crianças brincavam tranquilamente na rua,
enquanto seus avós, sentados à porta, apanhavam o sol da manhã.
Os postes e construções imensas deram lugar às árvores e praças.
Não havia mais poluição e nem animais abandonados.
Também não havia pessoas morando nas ruas, abandonadas à
própria sorte.
Todos os cidadãos tinham moradia, educação e algo com que trabalhar.
A febre por dinheiro pouco importava, afinal, ninguém ali vivia para sustentar
um status ou para sentir-se superior a ninguém.

Acordei, ainda estava cedo... Percebi que tudo não passou de um sonho.
Entretanto, tal sonho fez com que eu me enchesse de perguntas:
Por quê o ser "humano" insiste em destruir o seu mundo, seu lar?
Onde é que queremos chegar?
Por quê é que continuamos insistindo nos erros, uma vez que julgamo-nos
"seres racionais"?
E você, já viveu hoje?

terça-feira, 25 de junho de 2013

Destino?


Eu estava com um punhal cravado em minhas costas, mas o que eu poderia fazer? Não sabia se o destino daquela situação estava realmente em minhas mãos.
Por mais que fosse a única alternativa disponível naquela hora, eu não queria chorar. Não depois do turbilhão de pensamentos que latejavam minha mente segundo a segundo. Optei por me manter inerte, ao menos por alguns minutos (ou algumas horas) até que minhas ideias voltassem a fluir em seu ritmo normal.
Dias se passaram, mas não foi o suficiente para arrancar esses pensamentos de mim. Sinceramente, sempre haverá pensamentos, mas tudo o que eu queria era poder terminar uma conversa sem aquelas temidas reticências. Elas me dão medo justamente pela independência que simbolizam. Me dão medo porque qualquer coisa pode preencher essa lacuna.
Oh, coragem, onde estás? Preciso tanto do seu abraço, preciso tanto sentir-te comigo... E é inútil tentar convencer-me do contrário.
Oh, coragem, não se preocupe... Sei que, mais cedo ou mais tarde, estaremos naquele lugar, o qual sempre havíamos sonhado chamar de nosso!

sexta-feira, 21 de junho de 2013

[OPINIÃO] Protesto Vila Maria / Parque Novo Mundo

                                                                                  Créditos da foto: Guilherme Bandeira

Fiquei profundamente decepcionada com o que vi na manifestação que, provavelmente, está ocorrendo agora nas ruas da Vila Maria e Pq Novo Mundo.
Eu mesma confesso que fiquei feliz com a ideia de sair para as ruas e fazer ouvir a voz de uma população que luta por melhores condições de vida para o seu bairro, que, assim como qualquer cidadão, deseja transporte, educação e saúde de qualidade. Porém, não foi toda essa vontade que pude perceber hoje.
A ideia da passeata era, assim como na maioria, fazer uma intervenção PACÍFICA, respeitando o limite entre o SEU direito e o do PRÓXIMO. Mas, vejam só: Imaginem quão grande não foi a minha surpresa ao ver pessoas da própria manifestação soltando bombas próximo aos outros manifestantes. E mais:
Não é quebrando lixeiras que você conseguirá melhorias para o seu bairro!(Irônico, não?)
Não é mandando a presidenta "tomar no c*" que você conseguirá alguma mudança!
Não é passeando com um TACO DE BASEBALL (isso mesmo, literalmente, era um taco de baseball) que você conseguirá uma manifestação PACÍFICA (ao contrário, só parecerá um imbecil).
Não é berrando "VAI CORINTHIANS" que você deverá se manifestar (aliás, qual era o tema mesmo?).
Não quero generalizar, mas notei que muitas pessoas estavam avulsas à ideia principal, ao motivo pelo qual todos estavam juntos elevando suas vozes.
Aliás, quero parabenizar o moço de touca que falou antes da caminhada, pois estava centrado e soube se posicionar. Parabenizo também as pessoas civilizadas com quem me deparei e o policiamento que, até o momento em que estive presente, foi sensacional.
Devido à sequência de fatos negativos que citei acima, decidi abandonar o percurso no cruzamento entre as ruas Amambaí e D. Luís Felipe de Orleans e, por fim, voltar para a minha casa. Não são palavras aleatórias que eu quero gritar. Não são frasezinhas clichês que eu quero meramente reproduzir. Não quero protestar só porque, agora, alguns acham "bonitinho". NÃO é isso o que eu quero apoiar e NÃO É ISSO O QUE EU VOU APOIAR.

#VemPraRua #OVerdadeiroSentido