segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Histórias de Uma Garota Sem Memória - Dia 1

                                                            Foto: Catarine Casagrandi

   Depois de tanto tempo, as sombras do vale finalmente desapareceram. É estranho pensar que tudo o que um dia foi tão certo e real se foi para sempre. Os dias se foram como o vento e ela não sabia ao certo como conseguiu chegar ali, mas o fato é que ela estava ali.
   Aquela estação, aqueles trilhos e todo aquele vai-e-vem de pessoas lhe eram tão familiares... Mas por quê é que não conseguia se lembrar?
   Sem entender nada, sua mente começou a vagar pela cidade, atravessando pontes e multidões na tentativa de buscar suas lembranças que, algum dia, pertenceram àquele lugar. Mas todo esse pertencimento era, de certa forma, alheio a ela. Afinal, nem ao menos conseguia se lembrar de seu passado.
   Será que, alguma vez, já foi o tipo de pessoa que, hoje, não gosta? Era amável ou detestável? Não importa. Tudo  o que importava para ela era o agora e o que ela faria com ele. Andou um pouco mais e avistou uma praça ampla: Árvores ladeavam a área e davam sombra aos banquinhos. No coreto central, um velhinho magro e simpático tocava gaita ao lado de seu amigo canino, fazendo com que uma melodia antiga e alegre tomasse conta de todo o local e todos os sentidos dela. Tudo aquilo era familiar demais para não ser dela.
   Cansada de enxergar coisas onde aparentemente não havia nada, voltou para aquela estação do começo de suas andanças. O ar nostálgico-contemporâneo de lá era tão incrível, que ela passou a observar mais ainda: O menininho de camiseta verde segurando um sorvete semiderretido, deixando um rastro de pingos de baunilha por onde ia; Ao lado do menino, uma senhora de cabelos brancos caminhava calmamente, acompanhada de sua bengala. Será que, algum dia, conheceu sua avó? Ao pensar nisso, sentiu, além de um aperto no peito, uma leve vontade de passar tardes vendo TV e comendo quitutes ao lado daquela senhorinha  e do menino, que ela acreditou ser seu neto.
   Então, de repente, começou a entender: Cada lugar da cidade remetia-lhe a uma época esquecida de sua vida. Cada lembrança estava, de certa forma, ligada a algum ponto daquela que era a sua cidade natal.
   Subitamente, lhe veio um semblante à mente: sua avó. Cabelos ondulados e brancos, curtinhos, curtinhos... Óculos arredondados e um sorriso doce. Nenhum nome, nenhuma referência, apenas um rosto. Embora não soubesse explicar como aquilo era possível, começou a achar tudo fantástico!